quarta-feira, 30 de maio de 2012

Civilização de aparências

É estarrecedor o fato de que as pessoas muitas vezes optam por máscaras para se relacionarem na dita civilização. Quanto perdem com isso, nem elas mesmo sabem. Ficam tão cegas em ganhar, em auferir lucros, sejam eles quais forem, monetários ou emocionais, que nem mesmo percebem que jogam para perder. Levam uma vida de mentiras e destruição. Não constroem nada, só mentiras e uma realidade falsa que, tal qual castelos de areia, tendem a desmoronar fragorosamente. Isso me faz lembrar o filme "Vertigo" (Um corpo que cai), de Alfred Hitchcock. O filme todo é construído em cima de uma grande mentira, criada para iludir uma pessoa que age de boa-fé. As consequências são funestas. É aquela velha história: a mentira criada para ser uma realidade falsa, acaba por virar uma realidade interna também. Aí, a pessoa enlouquece, pois não sabe mais quem é ou o que está fazendo. Simplesmente genial a forma como Hitchcock chegou a essa visão e a transpôs para a história.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Relacionamentos na modernidade

Esse foi o tema da palestra feita pela psicanalista Sandra Niskier, semana passda, na Casa do Saber do CasaShopping. Show de bola. Ela falou sobre como a sociedade moderna se relaciona, basicamente, pelas redes sociais. Traçou uma comparação com as formas de comunicação antigas e, claro, falou da automatização da sociedade e de como essa intermediação da tela do computador entre o sujeito e o interlocutor tira a essência da verdadeira comunicação.
O que me fez lembrar da alegoria da caverna de Platão. A gente pensa que, só porque está usando o Facebook e se relacionando com os 493 amigos, está realmente se relacionando. Não está. Quantos casos de distorção da realidade o Facebook causa? Alguém pode colocar a foto de um casal numa festa e, só porque ele é visto junto, se deduzir que são casados e se publicar isto! Quando, na verdade, o sujeito é casado com outra pessoa. Ou, mesmo, a pressão do politicamente correto onipresente. Como quando o rapaz gay, cujas fotos íntimas com o parceiro foram publicadas à revelia no Facebook pelo colega, e que depois se suicidou. Que sociedade é essa? Doente com o narcisismo patológico e tendo que prestar contas dos atos mais triviais do cotidiano, ela se vê obrigada a contar para todos que foi à padaria comprar pão fresquinho, mas não tinha ainda. É como se o ser humano, capaz de independência e outras grandezas, se visse súbita e irremediavelmente condenado à pequenez de ter que se mostrar a todos, como um cão ávido pela aprovação. Como disse Sandra Niskier, preso ao cordão umbilical do outro. Assim, essa disponibilidade permanente vira fonte de angústia e ostentação. O autoconhecimento passa longe.

domingo, 20 de maio de 2012

O corvo

Edgar Allan Poe foi um escritor do sombrio e do tenebroso. Como todo escritor, era a consciência da sociedade, apontando, sem meias verdades, tudo o que ia na alma humana. Ele acaba por se tornar alvo de um maníaco, que reproduz, na realidade, os crimes descritos na sua literatura. Esse tema já esteve presente no filme Instinto Selvagem, através da personagem Catherine Trammel, escritora cujos crimes na ficção eram transpostos para a vida real. Acaba por se tornar algo recorrente na ficção também, a ficção que vira realidade e a realidade que vira ficção, num moto contínuo. Mais uma vez, é o eterno jogo de vaivém entre a alma e o mundo, o mundo e a alma. Se aquela não se centrar, é tragada pelo mundo. Ou o contrário: também pode engoli-lo. Tudo vale a pena, se a alma não é pequena, já dizia o sublime Fernando Pessoa. Eu faria uma paráfrase: tudo vale a pena, se o mundo não é pequeno.

Fora e dentro

É batata! Quando se procura fora de si o que não se tem, se encontra, sim, o oposto do que se queria achar. Quando se procura paz, fora de si, se encontra angústia. Se se busca sabedoria, se encontra dúvida. Se o objetivo é encontrar alegria, se encontra tristeza. Só a vida interior de alguém centrado pode ser o eixo do si mesmo. A alma é íntegra e milenar. Ela sabe o que lhe faz bem, e sabe que para isso é preciso silêncio, paciência, luz e tempo. Exatamente como nas lavouras. Só há colheita boa quando o plantio também é bom e feito com a alma. A alma é terra: em se plantando, tudo dá. E ela só se fortifica se for regada com muita atenção, presença, cuidados e ternura. Aí, ela vai fazer frutificar o que foi plantado, gerando mais vida. A verdadeira vida vem da alma e do ser verdadeiro. Tudo o mais é passageiro, e ilusório. A alma tem a vida eterna e, por isso, não se contenta com qualquer coisa. Por isso, é tão fácil se ver pessoas que, aparentemente, têm tudo mas vivem angustiadas e em conflito permanente consigo mesmas.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Depois de horas

Este thriller de Martin Scorsese é genial. Aparentemente, é até meio bobo, pois trata de um sujeito comum, que trabalha em escritório, e que se interessa por uma moça que conhece em um bar, Marcy (Rosana Arquette). Como é sexta-feira, e ele não tem mais compromisso com trabalho, resolve se aventurar atrás dela, depois que ela vai para casa, no Soho. Começa aí uma série de aventuras bizarras, onde nada é o que parece. Paul (Griffin Dunne) vai se deixando levar pelas situações mais insólitas,  na tentativa de achar Marcy, que também revela seu lado B. Ele acaba por ser confundido com assaltantes e escapa de ser linchado. No meio de tantas peripécias, destaque para a atuação de uma neurótica garçonete encalhada, vivida por Teri Garr. É uma mostra bem representativa da fauna de artistas, boêmios, gays, pervertidos e solitários de uma noite passada no Soho. Um clássico imperdível.